PREFÁCIO da 1ª EDIÇÃO (2012)
“A central sindical se chama CNT, sua bandeira é vermelha e negra e na entrada da sede está o retrato de um militante anarquista, fundador e dirigente dela. O país vive um clima de agitação política e social intensa, e os anarquistas têm presença ativa no movimento sindical e nas ações diretas violentas levadas a cabo por um setor de sua federação.”
O parágrafo acima não se refere ao anarquismo espanhol das primeiras décadas do século XX, mas à Federação Anarquista Uruguaia (FAU), formada na década de 1950. Desde então, a FAU desempenhou papel crucial nas lutas sociais do país, com centenas de militantes atuando em sindicatos e em importantes ações diretas. A FAU também criou a OPR-33, um braço armado responsável por diversas expropriações, ataques às forças de repressão e sequestros políticos, entre eles o sequestro de 1974 que resultou em 10 milhões de dólares.
Nos anos 1970, durante a ditadura militar, a FAU já possuía células em São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e na Europa. Documentos dos órgãos de repressão brasileiros confirmam essa militância, que teve um alto custo, com muitos militantes presos, torturados, mortos e desaparecidos. A importância da FAU no contexto das lutas políticas da época desperta uma questão: por que o anarquismo uruguaio se manteve vivo enquanto no Brasil, Argentina e em grande parte da América Latina, houve um retrocesso do movimento? Essa pergunta sugere outras reflexões sobre o declínio do anarquismo no Brasil e por que a FAU, uma organização tão relevante, se manteve quase desconhecida no Brasil, até o final da década de 1990.
Até 1996, a existência da FAU era desconhecida para mim. Foi então que participei de um evento comemorativo dos 40 anos da organização. Esse encontro despertou meu interesse pela trajetória da FAU, levando a uma pesquisa iniciada em 1997, na graduação em História na USP, e continuada entre 2000 e 2003, no mestrado na UNICAMP.
Vários aspectos me chamaram a atenção, principalmente o grau de presença da FAU nos movimentos sociais uruguaios. Em 1996, os anarquistas estavam ativos em sindicatos, movimentos de bairros, rádios comunitárias e no movimento estudantil. Mesmo que o peso político da FAU fosse menor do que nas décadas anteriores, sua presença era incomparavelmente maior que no Brasil, onde o anarquismo estava restrito a centros de cultura, meio acadêmico ou a grupos “alternativos” voltados para um “estilo de vida”. Outro ponto notável era o perfil de classe da militância: na FAU, a maioria dos militantes era de origem popular, enquanto no Brasil a classe média dominava os círculos anarquistas. Essa diferença se relaciona com a concepção de anarquismo, que no Uruguai era classista e organizador, rejeitando o espontaneísmo.
Além disso, a FAU manteve uma atuação contínua, ao contrário do Brasil e da Argentina, onde o anarquismo desapareceu progressivamente a partir da década de 1930. No Brasil, o anarquismo perdeu força, e os militantes sindicais das primeiras décadas do século XX já haviam morrido, enquanto na FAU havia diferentes gerações militando ativamente, com um intercâmbio contínuo de experiências entre jovens e veteranos. Esse contraste entre o anarquismo uruguaio e o brasileiro levantou questões sobre as razões dessas disparidades e ajudou a compreender melhor a realidade do movimento sindical no Brasil.
A história da FAU também está intimamente ligada à resistência contra as ditaduras militares da América Latina, especialmente durante os anos 60 e 80. A colaboração entre as ditaduras do Cone Sul, conhecida como "Operação Condor", também se estendeu contra os anarquistas uruguaios, que foram perseguidos e vítimas de repressão, como se pode verificar nos documentos oficiais.
Este livro é, portanto, direcionado a quem se interessa pela história recente da América Latina, Brasil e pela resistência de pessoas que, durante períodos difíceis, lutaram por uma sociedade mais justa e livre. É uma obra que busca não apenas contar a história da FAU, mas também apresentar os desafios enfrentados por essa organização e suas contribuições para as lutas sociais da época.
A estrutura do livro reflete essa intenção. Ele é dividido em cinco partes: a primeira aborda a formação do movimento operário e do anarquismo rioplatense no final do século XIX e início do XX, contextualizando a origem do anarquismo uruguaio. As três partes seguintes cobrem o período de 1952 a 1976, quando a FAU se consolidou e se viu atingida pelos golpes militares. A conclusão responde às questões iniciais e propõe novas possibilidades de estudo.
Por fim, embora este livro tenha sido originalmente uma dissertação de mestrado defendida em 2003, ele foi adaptado para se tornar acessível a leitores fora do âmbito acadêmico, especialmente para brasileiros, aos quais são apresentados aspectos da sociedade uruguaia e da história do anarquismo no país.
Ricardo Ramos Rugai
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R$ 55,00Preço
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